Como calcular IRPJ e CSLL de clínicas? No âmbito da legislação tributária, a Lei nº 9.249/1995 desempenha um papel fundamental, já que fixa os coeficientes que definirão a base de cálculo para posterior aplicação das alíquotas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) às empresas optantes pelo Lucro Presumido.
A redação original da lei estabelecia, no caput do artigo 15, o coeficiente de 8%. Quaisquer serviços que exigissem coeficientes distintos, eram, então, tratados nos incisos subsequentes do mesmo artigo. Como exemplo, o inciso III determinava o coeficiente de 32% para os serviços em geral, com exceção dos serviços hospitalares.
Até então, as clínicas médicas eram classificadas como “serviços em geral” e, portanto, estavam sujeitas ao coeficiente de 32%. Assim era o cálculo aplicado ao IRPJ e CSLL de clínicas.

No entanto, uma mudança significativa ocorreu após a promulgação da Lei 11.727/2008, que ampliou o escopo do inciso III, §1º, do artigo 15 da Lei 9.249/1995. A nova redação passou a ser a seguinte: prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A ampliação do normativo abriu espaço para o surgimento de questionamentos no mundo jurídico no que se refere ao significado exato do termo “serviços hospitalares”, bem como a extensão do benefício fiscal. Para além disso, se estariam as clínicas médicas abrangidas.
Com a finalidade de aclarar a situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp nº 1.116.399/BA, emitiu a seguinte tese:
“Tema 217: Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão serviços hospitalares, constante do artigo 15, §1º,inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, de sorte que, em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.”
Assim, após a alteração legislativa, foram definidos três requisitos básicos para o beneficiamento da tributação privilegiada, sendo eles: 1) a prestação de serviços hospitalares e relacionados, elencados pela alínea a, inciso III, do artigo 15 da Lei 9.249/1995, 2) a organização da prestadora desses serviços sob a forma de sociedade empresária, e 3) a conformidade com as normas da Anvisa.
O entendimento — e o cenário — pareciam favoráveis aos contribuintes, sugerindo que, de um modo geral, as clínicas médicas, optantes pelo regime do lucro presumido, poderiam usufruir do tratamento tributário privilegiado. No entanto, com o passar dos anos, nova controvérsia foi instaurada.
Os tribunais, especialmente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, começaram a questionar se o requisito “Pessoa jurídica organizada sob a forma de sociedade empresária” estava sendo cumprido de forma substancial pelos contribuintes. Isto é, se os requisitos formais e materiais estavam sendo preenchidos para a devida caracterização do contribuinte como sociedade empresária.
Para os respeitáveis julgadores, não era suficiente que uma entidade estivesse registrada como sociedade empresária perante a Junta Comercial (requisito formal); era necessário demonstrar que a organização dos fatores de produção prevalecia sobre a atividade pessoal, ou seja, que o exercício da profissão era apenas um elemento dentro das atividades da empresa (requisito material). A seguir vejamos recentes decisões sobre a matéria:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IRPJ E CSLL. ALÍQUOTA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA DESCARACTERIZADA. 1. O benefício fiscal da al. a do inc. III do §1º do artigo 15 e no artigo 20 da L 9.249/1995 deve ser entendido de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não no contribuinte que os executa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Quando a sociedade limitada serve somente ao propósito de instrumentalizar o exercício de profissão intelectual, não se concretiza o requisito de prestação de serviços por sociedade empresária de que tratam os dispositivos concessivos da redução de alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido. 3. A informação constante em contrato social não é suficiente para, por si só, caracterizar a pessoa jurídica como sociedade empresária para fins de obtenção do benefício fiscal previsto na al. a do inciso III do §1º do artigo 15 e no artigo 20 da L 9.249/1995”. (TRF4 5002136-65.2022.4.04.7112, Primeira Turma, relator Marcelo de Nardi, juntado aos autos em 23/08/2023).
“EMENTA: IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LIQUIDO (CSLL). REDUÇÃO DAS ALÍQUOTAS. SERVIÇOS MÉDICOS HOSPITALARES. ENQUADRAMENTO JURÍDICO. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. PLANEJAMENTO FISCAL ABUSIVO. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. REQUISITO NÃO SATISFEITO. É indevida a redução das alíquotas para apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para sociedade uniprofissional organizada como sociedade empresária apenas pro forma, para fins de planejamento fiscal abusivo”. (TRF4 5007861-44.2022.4.04.7206, Segunda turma, relator para Acórdão Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 17/05/2023).
“EMENTA:IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LIQUIDO (CSLL). ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS DE 8% E 12%.SOCIEDADE EMPRESÁRIA DA ÁREA MÉDICA. SERVIÇOS HOSPITALARES. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO”. (TRF4, AC 5005096-94.2022.4.04.7111, Segunda Turma, relator Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 18/07/2023).
“IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LIQUIDO (CSLL). ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS DE 8% E 12%. PESSOA JURÍDICA CONSTITUÍDA POR UM MÉDICO QUE PRESTA PESSOALMENTE SERVIÇOS DE ANESTESIOLOGIA PARA CLÍNICAS E HOSPITAIS E UM APOSENTADO QUE MORA EM OUTRO ESTADO. SOCIEDADE EMPRESÁRIA SEM PROPÓSITO NEGOCIAL. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO”. (TRF4 5043159-95.2020.4.04.7100, SEGUNDA TURMA, relator Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 11/05/2021)
Nessa mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.877.568/RN, negou o benefício à Clínica de Anestesiologia, já que, no entendimento dos ministros, a referida empresa tratava-se de uma sociedade simples, não atendendo às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mencionam os ministros que, para o alcance da base de cálculo mais favorável, é imperiosa a comprovação do preenchimento dos requisitos impostos pela lei, à luz do artigo 111 do CTN.
Pela leitura dos excertos, fica claro que os tribunais passaram a lançar olhar criterioso sobre a predominância da atividade empresarial sobre a profissional. Por essa razão, torna-se imprescindível demonstrar, para o beneficiamento da tributação privilegiada, o cumprimento dos requisitos para a caracterização empresarial, diferenciando-se, pois, das chamadas sociedades uniprofissionais, que mesmo quando constituídas como limitadas, são consideradas sociedades simples (e não empresariais).
Sobre tal distinção, insta destacar trecho do Livro Código Civil Comentado, da ilustre jurista Maria Helena Diniz: Se o profissional intelectual, para o exercício de sua profissão, investir capital, formando uma empresa, ofertando serviços mediante atividade econômica, organizada, técnica e estável, deverá ser, então, considerado como empresário Assim se, p. ex., três médicos abrirem um consultório, estarão formando uma sociedade simples e se, posteriormente, o transformarem numa clínica, contratando enfermeiras e auxiliares, ainda ter-se-á uma sociedade simples, dado que, ensina-nos Mauro Caramico, sem as atividades dos sócios, a clínica não seria possível. Se, continua o autor, contudo, os médicos se unirem, formando um hospital com estrutura para atendimento de pacientes, com contratação de outros médicos, etc., então formarão uma sociedade empresária”. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 755-756).
No que se refere ao tópico em questão, é relevante destacar que os juristas do TRT da 4ª Região apontam os seguintes indícios da não caracterização empresarial: “Há ainda outro indício veemente do apontado planejamento fiscal abusivo: a sociedade ‘empresária’ impetrante não tem sequer estabelecimento próprio, provido de equipamentos (recursos materiais) e empregados (recursos humanos), tendo apontado como ‘sede da empresa’ em seu contrato social o endereço residencial da única sócia”. (TRF4 000364-94.2022.4.04.7103, Segunda Turma, relator Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 16/05/2023).
Depreende-se de todo o exposto que, considerada a sociedade e o seu objeto social, a atividade intelectual (v.g natureza científica) deverá representar apenas um elemento desse objeto, isto é, apenas uma parte do serviço oferecido pela empresa ao mercado, jamais o próprio serviço.
Portanto, é fundamental que as clínicas médicas, mesmo quando registradas como sociedade limitada, atentem para o cumprimento rigoroso desse requisito perante os tribunais, demonstrando que a organização dos fatores de produção está em conformidade com a natureza de uma sociedade empresária. E mais importante ainda, que a atividade intelectual exercida pelo sócio constitui apenas um dos elementos da empresa, e não o único.
Essa análise cuidadosa é essencial para garantir o acesso ao tratamento tributário privilegiado previsto nos artigos 15, §1º, III, alínea a e 20, III da Lei 9.249/1995.
Fonte: Consultor Jurídico
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